Comendo na casa do Hobbit
A porta não é redonda, como chegamos a imaginar nas semanas que antecederam nosso jantar n’O Leão Vermelho. Mas a casa reserva mistérios como passagens secretas, móveis de infinitas gavetas, um portal energético, torneiras surrealistas e… localização desconhecida.
Só recebemos o endereço 20 minutos antes do horário marcado, via sms, enquanto aguardávamos numa bucólica pousada em São João da Boa Vista. Tanto mistério faz um vizinho acreditar que o local seja usado para a prática de feitiçaria. E é quase isso, porque tudo o que se segue é envolto em ludismo e de total encantamento.
Tocamos o sino. Gabriel Vidolin nos recebe, recolhe celulares –não é permitido seu uso durante o jantar– e após as boas vindas, dá início ao ritual. O salão tem apenas uma mesa, construída pelo próprio chef, assim como quase toda a marcenaria existente na casa.
O comensal não sabe o que vai degustar: todo o menu é preparado no dia, de acordo com a disponibilidade dos agricultores parceiros e as restrições alimentares de cada mesa. Não há vinhos nem drinques alcóolicos, para que não haja interferência no efeito das tinturas e florais usados na execução dos pratos.
O que se segue é uma sequência de 24 pratos (representando as 24 horas do dia) em quatro etapas (pelas quatro fazes da lua) que são meticulosamente criados para surpreender com nomes como Romarias, O Outro Lado da Lua e Caixa de Costura. O menu, intitulado “Jamais me Abandone” começa com um consomé umami com ervas, uma linguicinha com menta sobre um pequeno pastel, tudo para despertar os sentidos. É sua versão para a Sopa de Pedra.
O jantar continua com pratos onde você desmonta origamis para comer éclairs de gorgonzola com pólen, abre baús de palha que escondem pãezinhos doces com espinafre, tomate e queijo de cabra até chegar aos principais, com capeletti in brodo, polenta com cogumelos e linguicinha e painço (sim, comida de passarinho) servida com o naco de frango mais gostoso que você vai comer em sua vida. Antes de mudarmos de ambiente, cálices de ‘lágrimas’.
A etapa seguinte é a mais perturbadora: som alto, sabores extremos, shots de cachaça super gelada com essência de eucalipto, torpor. É quase um choque receber na sequência delicadezas como um diminuto suspiro com sabor intenso de iogurte e um creme de iogurte com calda de damasco e flor de laranjeira.
O jantar termina em uma sala com passagem secreta pela biblioteca com um bolo de abóbora com chocolate, bombons, biscoitos, chás e digestivos. É um momento de acolhimento, numa sala toda de madeira com luz tênue e alaranjada que um dia habitou o imaginário de quem já sonhou com avós que partiram e contos de fadas.
A proposta d’O Leão Vermelho é única mas sua ousadia não é gratuita: Gabriel é um jovem chef de 24 anos que já passou por grandes cozinhas como a do El Bulli e a do Mugaritz na Espanha. No Brasil cozinhou no paulistano D.O.M. e no Le Pré Catelan, no Rio.
No Mugaritz, ficou famoso na equipe por deixar trilhas com pedrinhas até seu quarto no alojamento dos cozinheiros, para que os duendes pudessem encontrá-lo –estória que ele desmente, mas sei não…
O restaurante tem apenas uma mesa e atende quatro pessoas por jantar. As reservas para os finais de semana estão esgotadas até o final do ano, com vagas apenas em algumas quintas ou sextas-feiras.
Mas a boa notícia é que Gabriel está vindo para São Paulo cozinhar com outra jovem cozinheira, a chef Manu Buffara (do Restaurante Manu, de Curitiba) no Espaço Gourmet do Vino! em São Paulo nessa quarta-feira, dia 21. Uma boa oportunidade para conhecer o trabalho desses dois novos talentos da cozinha brasileira.
Almoço de domingo (aqui pode fotografar!)
Quem reserva o sábado n’O Leão Vermelho, pode fazer uma dobradinha marcando um almoço com receitas de família preparadas por Gabriel ao preço de R$ 65 por pessoa (mais R$ 25 se incluir chá, petit fours e licores). No final de semana em que estivemos, o almoço acabou sendo realizado excepcionalmente fora do restaurante, no sítio do fornecedor de queijo. Um visual de tirar o fôlego.
Vista do deque da fazenda Ypiacá-eté, que produz os queijos de cabra para o Gabriel
Queijos fresquinhos da fazenda. Pães feitos na manhã, pelo Gabriel
Linguine com as incríveis linguicinhas feitas pelo próprio Gabriel
Risoto de cogumelos e ervilhas tortas
Cordeiro guisado com ervas
Bolo de abóbora com chocolate e biscoitos
Brownie de chocolate para o café
Aqui, o guerreiro chef-maître-garçom-pia-horticultor-marceneiro Gabriel, degustando um dos pratos do almoço. Afinal, Hobbit também é filho de Deus.
Serviço do jantar Manu Bufara e Gabriel Vidolin no restaurante Vino!
Rua Professor Tamandaré de Toledo, 51 – Itaim – Tel.: (11) 3078-6442
Dia 21 de agosto de 2013 às 20h (quarta-feira)
Preço R$ 199 (inclui 8 preparos, harmonização com vinhos, água, café e tx. de serviço)
Serviço do restaurante O Leão Vermelho
Localizado em São João da Boa Vista, a 220 km de São Paulo
O endereço é mantido em segredo, revelado durante o processo de reserva pelo telefone (019) 3633-3514 (atendimento de terça à sexta-feira, das 14h00 às 17h00) ou através do e-mail: contato@oleaovermelho.com
Valor do jantar: R$ 365 (inclui 24 pratos, água, chá e chocolates)
Valor do almoço de domingo: R$ 90 (receitas de família. Inclui chá, petit fours e licores)