Cá-Já: um dos melhores restaurantes do Brasil fica no Recife
Que me perdoem os bairristas, mas Recife é fundamental. Desde que conheci o Cá-Já, e também o Reteteu, —dois restaurantes pernambucanos fora do circuitão de Boa Viagem e que fazem uma cozinha excepcional— sonho em encontrar algo semelhante em São Paulo.
Nem é pedir muito. Uma casa com quintal, um chef talentoso, uma cozinha honesta. Mas o Cá-Já vai além. Dos posts no instagram com a hashtag #PraCegoVer (para que deficientes visuais possam ouvir a descrição das fotos) até a hostess Maria Roberta (foto abaixo), uma garota trans que recebe os clientes com graciosidade ímpar, nota-se uma preocupação social bem acima da média. Tudo é muito bacana, inclusivo, inspirador. Em tempos de tanta busca por exclusividade e notoriedade a qualquer preço, o Cá-Já é sim, um alento.
O restaurante ocupa uma casa dos anos 50 nos Aflitos, bairro da zona norte da cidade. A varanda é usada como espera, onde você pode se servir de sacolés (ou dudu/dindin, como se diz por lá) dispostos em um isopor. Quando é tempo de manga, você também pode se servir da fruta disposta em gamelas e levá-la para casa —uma gentileza que desperta muitas memórias afetivas em quem já teve uma vizinha que oferecia as mangas do seu quintal através do muro de casa.
Quem comanda a cozinha do restaurante é Yuri Machado, que já trabalhou em casas de Nova York, nos EUA, e de Lima, no Peru. No Brasil, passou pelo D.O.M. em São Paulo e pelo Ponte Nova, no Recife. O jovem chef faz uma cozinha brasileira com um olhar contemporâneo atual. Garimpa produtos de pequenos produtores e visita diariamente feirinhas orgânicas atrás de insumos para abastecer sua despensa. O resultado é uma cozinha fresca, criativa, bonita de se ver.
A casa funciona com dois menus distintos: um para o almoço, com pratos para compartir, e outro para o jantar, ambos enxutos. A ideia é oferecer experiências diferenciadas, com mudanças também no ambiente, da iluminação ao set musical. Quem fez a consultoria foi Alan Machado, irmão do chef com grande experiência na área de hospitalidade. Completa o time Marina Moneta, a sócia encarregada da administração e das finanças.
O sacolé oferecido como cortesia, na espera da varanda, é perfeito para aplacar o calor pernambucano. São esses pequenos detalhes que fazem do Cá-Já um lugar especial.
E se você se sentar em uma mesa sem ombrelone, são oferecidos providenciais chapéus para se proteger. Aceite que o sol do Recife é só para os fortes –sem contar que e o estilo estará garantido.
Cheguei atrasado e meus amigos já se deliciavam com um caldinho de sururu (R$ 14,90) daqueles! Denso e servido com limão e farofinha. E uma bela pimenta, claro.
Um prato com corações de galinha (R$ 19,90)! Servido como um vinagrete, com ervas e até um rabanete. Essa criação sintetiza bem a cozinha do chef, que gosta de utilizar ingredientes pouco valorizados mas com novas abordagens.
A favada (R$ 60,60) vem com um molho apurado e está meio escondida sob o refogado de carnes e temperos, mas é surpreendente! Serve de 2 a 3 pessoas e acompanha vinagrete e farofinha. Foi uma unanimidade na mesa.
A peixada é preparada com o peixe do dia, uma cioba com textura firme, perfeita para o prato, que traz um caldo rico com tomate, pimentão, ovo cozido e cheiro verde. Vem acompanhada de arroz soltinho e um gostoso pirão. Olha esses tomates, que beleza.
A cozinha ocupa a edícula dos fundos e é aberta para o quintal. O que impressiona é que o chef consegue extrair o máximo de sabor dos ingredientes com uma cozinha simples, sem fornos combinados ou equipamentos modernos.
A rabada (R$ 63,90) chega macia, perfumada e é também bem servida. Traz folhas e uma bela batata doce orgânica.
Do seu untuoso molho fez-se um belo pirão, de sabor intenso. Um pirão de rabada, pense?
Provei ainda a caldosa galinhada da mama (R$ 58,90), farta, aromática e repleta de legumes grelhados como cenouras e maxixes. Vinha ainda coroada com uma sobrecoxa assada com ervas.
Havia duas opções de sobremesa: um creme de maracujá com geleia de hibisco e crumble da casca da fruta com açúcar mascavo, com apelo bem caseiro mas com alguns diferenciais. E o guloso brigadeiro de colher (R$ 9,90) servido com uma telha de caramelo.
A preocupação com os detalhes aparece na carta de drinques, elaborada pelo barman Luciano Melo (Pina Cocktails & Co) e no café servido, o Zuccon da Fazenda Santa Clara (Espírito Santo), que chega à mesa acompanhado das bolachinhas preparadas pela mãe do chef. Tem maneira mais carinhosa de se encerrar uma refeição?
O chef Yuri Machado (foto: Wagner Ramos/divulgação) e o gostoso quintal do restaurante. Vem pra Cá-Já!
Cá-Já Restaurante – mapinha aqui
Rua Carneiro Vilela, 648, Aflitos, Recife (PE) – Telefone (81) 3126-0648.