Conheça o autêntico bacalhau e aprenda como escolher e conservar essa iguaria

Marcelo Katsuki

Chega a Páscoa, tempo de comer bacalhau, e a gente se depara com um monte de peixes secos e salgados no mercado. Daí vem aquela dúvida: qual é o verdadeiro bacalhau? Encontramos tanta variedade nas gôndolas que muitas vezes acabamos levando gato por lebre.

Para acabar com essa confusão, vamos conhecer o autêntico bacalhau –aquele que vem dos mares gelados da Noruega– e conhecer suas etapas de produção. Nem todo mundo sabe, mas bacalhau não é o nome do peixe, e sim do seu processo de salga e secagem.

O autêntico bacalhau é feito com o peixe Gadus morhua, que vive no norte do Atlântico, e o Gadus macrocephalus, que vem do Pacífico. Zarbo, Saithe e Ling também são peixes dessa mesma família, Gadidae, e que passam pelo mesmo processo de salga e secagem, mas são chamados de peixe tipo bacalhau.

 

Além da diferença visual, cada peixe tem características próprias e que devem ser consideradas na hora da sua compra.

• O Gadus morhua é considerado o mais nobre bacalhau. Tem postas altas e largas e após a salga, adquire coloração palha e uniforme. Depois de cozido, seu lombo se desfaz em camadas. Tem carne mais untuosa sendo indicada para assados, cozidos e confitados. Já o Gadus macrocephalus, considerado de qualidade inferior, não se desfaz em lascas, tendo melhor aproveitamento desfiado.

• O Zarbo é o mais roliço, sendo indicado para o preparo de pratos desfiados, caldos, pirões e bolinhos.

• O Saithe é mais claro mas possui sabor forte. Tem carne macia e que se desfia com facilidade, sendo indicado para o preparo de saladas, ensopados e bolinhos. Tem a cauda em “V” e é muito consumido no Nordeste.

• O Ling possui corpo mais estreito. Sua carne branca e apetitosa é a ideal para assados, cozidos e grelhados, como em preparos rápidos na frigideira.

 

Conheça o processo de salga e secagem do autêntico bacalhau norueguês

Os barcos de pesca são equipados com radares que localizam os cardumes com precisão. Assim é possível realizar a pesca utilizando apenas linha e anzol (sem isca), garantindo um peixe de qualidade.

 

Chegada dos peixes na Jangaard Export, em Henningsvær, Noruega.

A pesca também pode ser realizada com redes, mas os pescados com linha são mais valorizados. Os peixes podem chegar na fábrica frescos ou congelados –nesse caso são descongelados em tanques com água marinha e depois limpos.

 

Retiram-se as tripas em um processo que pode ser manual ou automatizado. Depois ele é deixado por 2 semanas na salmoura.

 

O peixe é aberto mantendo o dorso e é feita a uma limpeza interna mais cuidadosa, por sucção. É então distribuído em containers, em camadas intercaladas com sal marinho. Essa primeira salga dura de 3 a 4 semanas, quando então o peixe é retirado e lavado.

 

A segunda salga dura uma semana, e o peixe perde mais água. Para evitar que os peixes de baixo sofram mais com o peso das camadas, as pilhas são invertidas durante todo o processo.

 

Peixes prontos para a secagem na estufa da Jacob Bjørge AS, em Ellingsøy.

Passado esse tempo, os peixes são distribuídos e empilhados em pallets, mantendo uma distância entre as camadas. São levados para uma estufa com ventilação e temperatura controlada, onde secam durante 3 ou 4 dias, dependendo do seu tamanho.

 

Depois eles seguem por esteiras para a área de triagem, onde são embalados de acordo com o peso e tamanho. Os menores são acomodados em caixas de papelão, os maiores, em caixas de madeira. Seu transporte deve ser feito em ambiente com temperatura entre 2ºC e 5ºC. Todo o processo utiliza apenas peixe e sal, sem conservantes químicos.

 

Curiosidades

O bacalhau é pouco consumido na Noruega. Lá fazem sucesso os embutidos e as carnes vermelhas. Dentre os pescados, consome-se mais o salmão. Afinal, 95% da produção de bacalhau é exportada. O Brasil é o segundo maior mercado, tendo importado 18 mil toneladas em 2018, perdendo apenas para Portugal.

 

“Bacalao” é o nome de um prato típico da Noruega. Tem a aparência de um creme de tomate repleto de cubos de bacalhau dessalgado. É denso, levemente picante e muito apreciado na companhia de pão preto.

 

Campo de secagem de bacalhau em estruturas suspensas em Ballstad, Noruega.

O bacalhau seco (stockfish), como é consumido na Europa, não é exportado para o Brasil. Ele não leva sal e seu processo de secagem demora de 3 a 4 meses, sendo feito ao ar livre e em baixas temperaturas. Ele possui sabor mais suave mas tem mais complexidade. O bacalhau seco e salgado (clipfish) que temos no Brasil, passa apenas 3 dias na estufa para secagem num processo bem mais rápido e em temperaturas mais elevadas.

 

Prato com bacalhau fresco do restaurante Lofotmat, da chef Siv Hilde Lillehaug, em Henningsvær, Noruega. A carne é branquinha e suculenta, além de possuir uma textura gelatinosa. Aqui, servido com purê de batata, creme de cenoura e uma couve-de-bruxelas sem amargor, quase doce.

 

Bacalhau tem cabeça! E ela é seca e exportada para países como a Nigéria, onde entra no preparo de receitas como caldos e sopas. As ovas também são apreciadas, geralmente curadas e transformadas em bottarga. Língua e bochechas são iguarias consumidas como petiscos. Até as carcaças são aproveitadas, sendo exportadas para a Ásia.

 

Dicas de compra e conservação

• Ao comprar o bacalhau, verifique se a peça está totalmente seca. Evite peixes que apresentem partes úmidas ou manchas e coloração irregular.

• Ao chegar em casa, retire o filme plástico e transfira para um vasilhame limpo e com tampa.

• Apesar de salgado e seco, ele não deve ficar à temperatura ambiente, na dipensa ou no armário. Conserve-o na geladeira.

• Se comprar bacalhau dessalgado, você pode conservar no freezer por até 8 meses. Pincele com azeite para evitar que ele resseque.

• Importante: nunca congele o bacalhau ainda salgado e seco.

 

Fotos: Marcelo Katsuki/Folhapress
O jornalista viajou a convite do Conselho Norueguês da Pesca.